As discussões sobre a atuação da política externa brasileira nos países vizinhos revelam que não há uma visão madura, ainda, sobre o papel e tarefas de um país hegemônico, como o Brasil tende a ser na América do Sul. Há grande resistência a apoiar maior comprometimento orçamentário e político do país com a região. Uma resistência em parte justificada pela retórica simplista de autoridades brasileiras, que usam com alguma facilidade termos como "solidariedade", raramente retribuídos com ideias e atos equivalentes pelos vizinhos - que insistem em ver no Brasil uma espécie de ameaça subimperialista.
As vantagens comerciais da interação com os países sul-americanos são evidentes no comércio: responsável pela absorção de mais de 18% das exportações brasileiras, a América do Sul tem gerado saldos comerciais ao Brasil superiores a US$ 10 bilhões desde 2005. Entre 80% a 84% do que o continente compra do Brasil são mercadorias manufaturadas, de maior valor agregado, produtos para os quais é um mercado maior que o dos países desenvolvidos, segundo as estatísticas oficiais.
É lugar comum, também, lembrar que a expansão das empresas brasileiras encontra na América do Sul seu trampolim ideal, e os números de investimento do Brasil no exterior comprovam a tese. O Paraguai, por exemplo, com seu ambiente hostil aos negócios, viu os investimentos do Brasil em negócios locais aumentarem de pouco mais de US$ 80 milhões em 2005 para mais de US$ 140 milhões em 2006, segundo o Banco Central, e ultrapassarem US$ 400 milhões em 2009, segundo estimativas locais.
Brasil investiu mais de US$ 400 milhões no Paraguai em 2009
A cifra tende a subir com a construção de uma linha de transmissão que regularizará o fornecimento de energia à capital Assunção. O aumento dos investimentos, que se dirigem em grande quantidade para a agropecuária, metalurgia e confecções, mas também crescem em ramos como hotelaria, calçados, cimento e frigoríficos, faz com que o desempenho econômico do país cada vez mais tenha reflexos sobre o setor privado brasileiro. Previsões como a de que o Paraguai será o quarto exportador mundial de carne até 2014, são notícia de ganhos para empresários do Brasil.
Passada a época em que se imaginava que o governante venezuelano, Hugo Chávez, seria capaz de disputar influência com o governante brasileiro, as eleições no entorno sul-americano mostram que, para além da influência econômica, o modelo democrático e inclusivo adotado no Brasil cativa os eleitores da região, a ponto de candidatos antes radicais buscarem apresentar-se aos seus países como seguidores da experiência brasileira - como é o caso, agora, de Ollanta Humala, no Peru.
A expansão dos interesses empresariais brasileiros e da influência política do país ocorre, porém, sem um esforço explícito de exportação de modelos políticos ou econômicos (pelo contrário, demonstra-se no Brasil até certa aversão em influenciar explicitamente os vizinhos, contrariamente aos Estados Unidos, que fazem da internacionalização de seus valores fio condutor ideológico da política externa).
Brasileiros, em geral, parecem crer na vocação natural do país para a liderança e confiar que ela virá por gravidade, pelo reconhecimento espontâneo dos países na esfera de influência brasileira. Não será assim. Continente em crescimento, a América do Sul é alvo de investidores internacionais e já é o maior destino dos investimentos chineses no exterior, e absorveu cerca de US$ 29,5 bilhões, metade dos quais nos países vizinhos do Brasil. Grande parceiro comercial e gigante no cenário global, a China tende a ganhar influência crescente no entorno regional, onde já desloca exportações brasileiras.
É comum, para desqualificar programas de ajuda brasileiros aos vizinhos, lembrar que há regiões pobres no Brasil necessitando também de ajuda. Argumento capenga, que só prospera entre os que ignoram que os laços econômicos e de ajuda internacional são instrumento poderoso de influência e pressão sobre governos estrangeiros. O apoio a economias mais frágeis também traz benefícios ao doador, como bem percebe a Alemanha, maior contribuinte dos fundos de auxílio e coesão da União Europeia e principal beneficiário da dinâmica econômica criada no bloco.
A experiência europeia, aliás, ao ilustrar o valor da ajuda regional para as economias que a financiam, indica também atitudes que o governo brasileiro, em seus impulsos de solidariedade regional, deveria copiar.
A ênfase, na Europa, não é na concessão de recursos a fundo perdido para uso discricionário dos governos. Fundos, inclusive os destinados a minimizar catástrofes naturais, são concedidos com base em planos detalhados e em compromissos assumidos pelos beneficiários. Algo parecido se tenta, no Mercosul, com o Focem, o fundo de "convergência estrutural" do bloco. O Brasil precisa ir além, e discutir abertamente métodos e modalidades de aproveitar o impulso do país para construir um ambiente econômico e institucional favorável na vizinhança.
Na semana passada, esta coluna trocou unidades, por engano, e grafou erradamente valores que serão pagos a mais pela cessão de energia do Paraguai em Itaipu ao Brasil. O correto é dizer que, em 2008, o adicional por cessão de energia foi de US$ 120 milhões, valor que caiu, em 2010, para US$ 104 milhões e seguirá caindo. Isso significa que o acordo com o Paraguai recém-aprovado pelo Congresso custa cerca de US$ 208 milhões a mais por ano, ou menos, ao país.
Não é uma quantia absurda para buscar a pacificação diplomática das relações com o vizinho. Nem por isso o Brasil deve se desobrigar de exercer maior influência e pressão para que Itaipu não sirva apenas como caixa para gastos decididos arbitrariamente no país ao lado.
Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras
E-mail sergio.leo@valor.com.br
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